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Ana Monteiro

Estar grávida é um estado de graça. Mas às vezes não tem graça nenhuma.

Atualizado: 9 de jan. de 2021

Em teoria, o corpo da mulher está preparado para todas as mudanças mas na prática poderá não ser bem assim: depende do estado físico e de saúde prévio da futura mãe bem como do modo como vivencia a gravidez.

O crescimento de uma parte tão nobre e central do corpo da mulher, provoca – para além da vontade quase incontrolável de tocar na barriga, mesmo por parte de estranhos – alterações biomecânicas na coluna da futura mãe, como forma de responder à alteração da posição do centro de massa do corpo. Assim, e dependendo da postura prévia, a coluna altera as suas curvaturas, sendo a forma mais comum com aumento da curvatura lombar. De facto, não raras vezes futuras mamãs recorrem à minha consulta no seu segundo trimestre de gravidez com crise de lombalgias, o que não surpreende dado que 35 a 76% das mulheres grávidas experimentam raquialgias durante o período gestacional.

A relaxina é uma boa noticia para a mamã, que ao longo dos meses agradece o aumento de elasticidade conferido pelas alterações hormonais. No entanto, e como tudo, este factor tem o seu lado lunar: mais movimento significa também maior possibilidade de estirar demasiado os ligamentos e músculos que estão por perto – o piramidal é um musculo que dá frequentemente sinal, imitando uma ciatalgia e que contribui para grande perda da qualidade-de-vida da grávida que recorre à consulta de fisioterapia.

A retenção de líquidos pode também originar sintomatologia como pernas cansadas e inchadas, parestesias (formigueiro) nos braços pela compressão do plexo braquial desse mesmo excesso de liquido (que na altura da amamentação poderá surgir também).

Todos estes problemas poupam algumas mamãs e incomodam outras tantas – mas porquê esta discrepância?

Da minha experiência, muito se deve ao estilo de vida e actividade física prévios à gravidez. É normal que uma mulher que pratique exercício físico regularmente tenha uma musculatura mais preparada para suportar uma carga extra; uma mulher que caminhe bastante ou faça exercício cardiovascular regularmente terá menor tendência a fazer retenção de líquidos por ter um sistema de drenagem mais eficiente. Estas são condicionantes que se conquistam ao longo da vida – o problema é que muitas vezes a mulher só se preocupa com o seu corpo e mobilidade quando está grávida – e não é que seja tarde de mais, mas não é o momento ideal para adquirir novos estilos-de-vida.

Apesar da gravidez não dever ser um impedimento para a maior parte das mulheres praticarem a sua actividade física predilecta (excepção feita a modalidades de maior impacto, saltos ou carga) a prática de exercício físico não deve ser iniciada aquando da gravidez, algo que muitas vezes acontece.

Ainda assim, e apesar de não poder ser considerada uma modalidade de exercício físico, a “ginástica pré-parto” é importante e determinante para muitas das mulheres. Porquê?

A maioria das intervenções nesta área incluem exercícios baseados no pilates clínico, que visam o fortalecimento do core, ou musculatura abdominal e pélvica, e a consciência do movimento/postura. Trata-se de treinar mobilidade pélvica, que será tão importante no momento do parto, para além de garantir que os músculos responsáveis pelo auxílio à expulsão serão competentes. A grávida tem aqui um tempo para si, para estar em contacto com o seu ventre, sentir como o corpo e o bebé reagem quando contrai a sua musculatura abdominal e pélvica. Por outro lado, são treinadas componentes importantes da respiração que serão essenciais para tolerar o trabalho de parto com a menor fadiga possível. A futura mamã torna-se mais consciente de como está o seu (novo) corpo, do que fazer para prevenir tendências posturais “típicas” e de como actuar quando surgem dores ou desconfortos comuns.

Sabe-se que os benefícios destas aprendizagens não se extinguem no parto – quanto mais competente for o períneo (musculatura que controla os esfíncteres e que serve de “cama” para o bebé) mais facilmente ele recuperará e mais rapidamente a mãe retornará à sua forma física e saúde pélvica de outrora.

De facto, o parto pode representar um momento traumático para o corpo da mãe e que poderá necessitar de ajuda especializada para recuperar. O bebé pode provocar “estragos” por onde passa, para além da muito frequente e necessária episiotomia – agressões à musculatura íntima, tão importante para o controlo de esfíncteres, sexualidade e estabilidade pélvica da mulher. Nesta fase interessa, portanto, avaliar o estado da musculatura a fim de perceber se poderá retornar à sua actividade física anterior, se deverá optar por um treino mais condicionado ou inclusivamente realizar reabilitação perineal.

A mulher que vai ser mãe não é uma página em branco, teve lesões ao longo da vida, tem posturas e vícios adquiridos que no momento da gravidez poderão tornar a sua experiência menos positiva. A mulher que foi mãe, da mesma forma, acrescenta umas páginas de eventos que acompanharam a sua gravidez e o seu parto.

Estas páginas cheias de marcas e rascunhos fazem parte da sua história e, apesar de não serem apagadas, podem ser reescritas e “passadas a limpo” através de uma avaliação física e intervenção clínica especializada.

Porque o corpo de uma grávida foi e é um corpo de uma mulher e será o corpo de uma mãe.

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